quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Razão do Mais Forte

"A seca assolava a floresta como nunca. Os rios secavam, os lagos eram uma lama só, as árvores só tinham folhas esturricadas e os animais morriam de sede. Não era mais possível suportar a situação. Os animais reuniram-se e foram consultar um velho corujão, ave sábia e duradoura que tudo parecia saber. O corujão ouviu as queixas, sacudiu as penas lentamente e revelou:
- Isso é praga dos céus. Tupã está furioso e quer nos castigar. Vai tudo secar, vai tudo acabar, por culpa das maldades de algum de nós!
- Maldades? Mas quem fez tais maldades a ponto de atrair a cólera de Tupã?
- Isso eu não sei. Só sei que, para acalmar os bofes do poderoso Tupã, só oferecendo um animal em sacrifício!
- Em sacrifício? Quer dizer, mortinho da silva?
- Mortinho da silva!
- E... que animal deve ser sacrificado?
- Justamente aquele dentre nós que mais maldades tem na consciência!
Preocupadíssimos, reuniram-se os animais em assembléia. Qual deles era o pior? Quem deveria dar o pescoço para salvação de todos? Levantou-se o leão, com a pompa de majestade que dele se espera.
- Companheiros animais, sou eu quem deve ser sacrificado. Sou o mais temível, o mais malvado, o pior de todos. Quantas vezes devorei rebanhos inteiros de ovelhinhas indefesas? Quantos veadinhos órfãos já deixei, matando-lhes os pais? Para falar a verdade, até mesmo a vida de alguns pastores e boiadeiros me pesa na consciência. Assim sendo, não há dúvida: para o bem comum, ofereço a minha vida!
Deu um nó de emoção e pavor nas gargantas de todos que ouviam tão emocionado discurso. E foi com emoção na voz que o corujão levantou-se:
- Estamos honrados com vossa oferta, nobre rei leão. Mas é impossível aceitá-la porque nada do que vossa majestade declarou constitui crime. Dizimar rebanhos de ovelhas? Ora, para que foram feitas ovelhas senão para serem dizimadas? Pois não devoram elas toda a grama, fazendo com que todos nós corramos o risco de andar sobre a terra nua? Abater os pais dos veadinhos? Mas como eles aprenderiama crescer independentes, se para sempre tivessem seus pais a seu lado, fazendo-lhes todas as vontades e impedindo-os de aprender com seus próprios esforços? Devorar pastores e boiadeiros? Mas para que servem essas criaturas, senão para perseguir-nos, para caçar-nos, para desmatar nossas florestas? Não, majestade. Em vez de condená-lo, devemos é agradecer vossos nobres serviços!
De pé, emocionados, todos os bichos aplaudiram entusiadasmadamente  o discurso do corujão e a nobreza do leão.
Levantou-se então o tigre e, de olhos baixos, confessou:
- Devo eu sacrificar-me. Confesso que, muitas vezes, abati sem piedade filhotes indefesos dos menores animais, por preguiça de procurar presas maiores. Muitas vezes tocaiei e matei parentes de muitos de vocês. Houve até uma vez que comi a noiva capivara, depois de ter servido de padrinho em seu casamento! Sou mesmo um bicho terrível e aqui me ofereço em sacrifício!
Novamente o corujão não concordou:
- Vossa alteza, o príncipe da floresta, muito nos honra com a oferta, mas não podemos concordar. Ao devorar filhotes, diminuiu um pouco a algazarra desta floresta. Almoçou parentes nossos? Talvez a sogra? Ou o cunhado? O que fez foi um favor, pois sogras e cunhados só trazem aborrecimento. Devorou uma noiva? Foi um bem. E se ela fosse infeliz em seu casamento? Poupou vossa alteza a coitadinha de sofrer! Para o nosso querido tigre, príncipe desta floresta, eu peço uma salva de palmas!
Sob os aplausos da platéia, sentou-se o tigre. A onça, a raposa e outras feras deram seus depoimentos e a todas o corujão inocentou. Até que chegou a vez do burro.
- Muita coisa não tenho do que me arrepender. Só me lembro de, uma vez, aproveitar a soneca do vigário e comer um repolhinho da horta lá da igreja e...
Deus um pulo o corujão:
- Eis aqui a causa de todos os nossos males! Um ladrão covarde e despudorado que ousou assaltar a horta da igreja! Um criminoso sem igual! Não só a cólera de Tupã, como também a nossa ira deve se abater sobre o vilão!
E o pobre burro, por ser fraco e não ser feroz, foi escolhido para o sacrifício...
Muitas vezes, a justiça fica ao lado dos poderosos e sacrifica os fracos. Quando isso vai mudar?"

Texto de Pedro Bandeira

A razão só anda ao lado de quem tem força e poder! Para que haja justiça neste mundo, é preciso que as pessoas sejam julgadas pelo que realmente fizeram. Um juiz tem de tomar suas decisões de acordo com os fatos sem levar em conta se o réu é forte ou fraco ou se é rico ou pobre! Esta é uma das fábulas criadas por Esopo, um escravo grego que viveu no sexta século antes de Cristo. Esopo inventava histórias com animais para dar lições às pessoas.

Análise de Pedro Bandeira


Não há muito que dizer depois desta fábula e da explicação de Pedro Bandeira. Lembremos apenas uns exemplos recentes, como o erro judicial que incriminou Cornelius Dupree Jr. nos Estados Unidos. O indivíduo passou 30 anos na cadeia, sendo que havia sido condenado por 75 anos, por um crime que apenas agora comprovaram que ele não cometeu – segundo testes de DNA. Certamente pelo homem ser pobre e negro é que ele sofreu estas conseqüências. Aqui no Brasil, um exemplo de que as leis são manipuladas e a população é usada de marionete, foi o aumento descarado dos salários dos ineficazes políticos. A razão do mais forte é capaz de fazer com que o menos favorecido se sinta incapaz, mas isso pode ser revertido, basta apenas ter força de vontade e disposição.

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